Os números do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram uma contínua redução da taxa de desmatamento na Amazônia. Entre 2004 e 2011, a destruição anual diminuiu de 27,7 mil para 7 mil quilômetros quadrados. O cenário de queda é apresentado pelo governo brasileiro como trunfo nas negociações internacionais sobre clima. Mas um novo estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que será divulgado em abril, revela uma realidade nem sempre detectada pela varredura com imagens de satélite que gera os dados oficiais: embora o desmate seja decrescente quando se analisa a abertura de grandes áreas na mata pelo chamado “corte raso”, a degradação florestal causada pela extração seletiva de árvores em planos de manejo de má qualidade, executados sem critérios ambientais, é cada vez maior.
No relatório “Transparência Manejo Florestal”, com dados sobre a produção madeireira de Mato Grosso, os pesquisadores concluíram que a exploração de baixa qualidade aumentou de 71 mil para 80 mil hectares entre agosto de 2010 e julho de 2009, quando comparada ao mesmo período do ano anterior. Ao mesmo tempo, as áreas consideradas tecnicamente de bom nível diminuíram de 12 mil para 7 mil hectares. No caso da exploração de qualidade intermediária, a redução foi mais expressiva, em torno de 40%. A pesquisa cruzou informações do licenciamento para o manejo florestal e outros mecanismos de controle do governo estadual com imagens de satélite do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), desenvolvido pelo Imazon.
“A tendência dos impactos e outros problemas com o corte de árvores a partir de planos de manejo autorizados pelo governo permaneceu em 2011 e também no começo de 2012, em função da expectativa com a possível anistia ao desmatamento proposta na reforma do Código Florestal”, analisa André Monteiro, coordenador do estudo, financiado pelo Fundo Vale e USAID (EUA). O pesquisador lembra que o aumento do manejo sem critérios também está relacionado ao zoneamento socioeconômico e ecológico de Mato Grosso, que foi sancionado em abril do ano passado pelo governo estadual prevendo redução de áreas protegidas nas propriedades, mas acabou impugnado pela Justiça. Em março e abril de 2011, segundo o INPE, o Estado perdeu 480 quilômetros quadrados de floresta – 80% do desmatamento total da Amazônia para o período.
Segundo o Imazon, a exploração de madeira ilegal cresceu 84% no Mato Grosso entre 2009 e 2010. Além do problema da baixa qualidade no trato com as áreas autorizadas para manejo, 44% da floresta explorada não teve autorização do órgão ambiental estadual. A maior parte da retirada de madeira sem permissão aconteceu em áreas privadas, devolutas ou sob disputa. Na Região Amazônica como um todo, a madeira ilegal corresponde a um terço da produção total, conforme o estudo “Fatos Florestais da Amazônia/2010″, do Imazon.
“No Mato Grosso, a exploração ilegal aumenta porque as ações de fiscalização do governo se concentram apenas em área de desmatamento recente de corte raso, que abre grandes clareiras na mata”, adverte Monteiro. Ele recomenda: “É preciso agir nas regiões onde o corte seletivo ilegal está acontecendo, pois essa é a atividade que abre caminho, através da construção de estradas, para o desmatamento em maior escala”.
O principal problema, diz ele, está na ação “formiguinha” que destrói a floresta com base em documentação legal. O estudo detectou que 98% das Autorização de Exploração Florestal (Autex), que são emitidas pelo governo e funcionam como uma licença para o aproveitamento de madeira, estavam regulares. Em 2010, foram liberados 3,3 milhões de metros cúbicos de madeira em tora, no Mato Grosso. Houve redução significativa nos casos de comercialização de madeira acima do autorizado pelo sistema de controle, mas os pesquisadores detectaram planos de manejo sobrepondo reservas e outras áreas protegidas e regiões desmatadas antes da permissão.
A Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso – embora parceira no estudo do Imazon — não quis comentar os resultados do estudo. “A madeira é nosso negócio e precisamos manter a floresta viva”, afirma Álvaro Leite, diretor do Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira. A entidade empresarial apóia o órgão ambiental no treinamento e aquisição de equipamentos para controle do manejo florestal por imagem de satélite, em tempo real. “Não nos interessa a prática de degradação”, diz Leite. O Mato Grosso tem 2,6 milhões de hectares sob produção de madeira – área equivalente ao tamanho de Alagoas.
Segundo o Imazon, 12% da exploração ilegal está dentro de unidades de conservação ou terras indígenas, como a Manoki, a de maior devastação, onde foram derrubados 5,7 mil hectares. Entre os municípios, Nova Maringá – onde a soja avança – apresentou o maior índice de problemas, somando mais de 17 mil hectares de floresta explorada sem autorização. Em janeiro, o Ibama aplicou R$ 1 milhão em multas durante a Operação Toruk, que detectou desmatamento na região do município de Sinop, a 503 km de Cuiabá.
Madeira ilegal é 50% mais barata
“O manejo avançou no país, tanto sob o ponto de vista técnico como de extensão de áreas exploradas, mas falta capacitação de toda a cadeia para a melhoria da qualidade e cumprimento das normas”, diz Antônio Carlos Hummel, diretor do Serviço Florestal Brasileiro. Ele aponta o modelo de concessões de florestas públicas à exploração privada de madeira por meio do manejo como uma referência que pode influenciar o mercado a dar escala ao fornecimento de produto legal. A meta do governo é lançar editais para a concessão de 2 milhões de hectares de florestas até 2014. Em 2012, deverão ser lançados editais para quatro florestas nacionais – Jacundá (RO), Amaná (PA), Crepori (PA) e Saracá-taquera II (PA), no total de 719 mil hectares. “O modelo avança, mas em ritmo mais lento do que imaginávamos”, diz Humel, ressaltando que “o arranjo institucional do governo federal para a gestão das florestas precisa ser melhorado”.
“Estamos substituindo desmatamento por degradação da floresta”, afirma Roberto Waack, diretor da empresa Amata, gestora da primeira e única concessão florestal em operação no país, na Floresta Nacional do Jamari (RO). Respaldada por documentos, a madeira obtida por métodos predatórios tem “aparência” legal e compete em situação vantajosa com quem produz dentro da legalidade. “Planos de manejo aprovados para a retirada de até 25 metros cúbicos por hectare extraem o dobro e esgotam a madeira nobre. Os custos operacionais da produção ilegal são 50% inferiores aos do produto legal”, revela Waack.
Por: Sergio Adeodato
Fonte: Valor Econômico