Parque Estadual Nhamundá, uma das poucas áreas de várzea protegida no baixo rio Amazonas, vira APA Guajuma, que permite realização de obras de grande impacto
O rebaixamento de uma unidade de conservação no Amazonas promovida pelo governo do Estado vem sendo questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas e por especialistas e ambientalistas.No mês passado, o Parque Nacional Nhamundá, a primeira unidade de conservação criada no Amazonas, em 1989, perdeu o antigo status e foi transformado em Área de Proteção Ambiental Guajuma. Esta categoria é a menos restritiva de todas as unidades de conservação mantidas pelo governo estadual.A agora APA Guajuma fica localizada no município de Nhamundá (a 381,46 quilômetros de Manaus), na divisa com o Pará, área de forte pressão mineradora e agropecuária.A APA também é itinerário do Linhão de Tucuruí, obra de transmissão de energia que vai cortar sete municípios do Amazonas, até Manaus.A decisão do governo do Amazonas foi publicada no dia 9 de maio no Diário Oficial do Estado. VárzeaO coordenador da ong Fundação Vitória Amazônica (FVA), Carlos César Duringan, destaca que o antes Parque Estadual Nhamundá é onde está localizada uma das últimas áreas de floresta de várzea da calha do médio rio Amazonas ainda preservada da Amazônia.Nesta semana, o MPF do Amazonas instaurou inquérito e fez recomendação para que o governo do Estado não cumpra a lei 131/2011 sem antes submeter a proposta de recategorização da unidade de conservação à consulta pública da qual participem membros da comunidade científica e organizações não-governamentais ambientais.O MPF/AM questiona a alegação de que o local foi ocupado por fazendas de gado e que, por conta dessa situação, foi preciso mudar a categoria.No entendimento do MPF, além das ameaças à biodiversidade do local, as comunidades rurais que vivem na agora APA Guajuma correm o risco de “ceder, no devido tempo, seus lugares de vida à expansão da pecuária dos outros”.MosaicoCarlos César Durigan alertou para o fato de que uma decisão como esta pode gerar “um precedente ruim” para as outras áreas protegidas no Amazonas.“Quer dizer que se acontecer um empecilho, simplesmente a lei anterior, que cria a unidade de conservação, pode ser revogada? Ficará à mercê das decisões políticas sem consultas públicas? Já está se comentando que outras áreas protegidas podem ser reduzidas. Ninguém é contra esses processos, mas é preciso respeitar estas áreas”, observou.Segundo Durigan já havia uma proposta de transformar a área, devido ao avanço da degradação, em um mosaico de áreas protegidas de diferentes categorias.Em um encontro realizado em abril passado no município de Parintins, vizinho de Nhamundá, com extrativistas, surgiu a ideia de iniciar uma mobilização em defesa do mosaico. A proposta tornou-se inviável com a decisão do governo estadual em mudar a categoria da UC.A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Rita Mesquita, contou que há vários anos o Parque Estadual Nhamundá vinha sofrendo, um processo de ocupação irregular atrelado à expansão da pecuária.Quando era secretária adjunta de meio ambiente, em 2006, Rita conta que propôs a criação do mosaico para impedir o avanço da ocupação. A ideia foi submetida ao Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc) do Amazonas.Ela conta que duas expedições foram realizadas ao local e a criação do mosaico era a principal demanda das comunidades tradicionais, que reivindicaram o uso dos direitos da terra na forma de unidade de uso sustentável.Segundo Rita, após análise, apenas uma parte do parque poderia ser transformado em APA e não em sua totalidade.Para a pesquisadora, os dois principais motivos de mudança da categoria estão vinculados à construção do Linhão do Tucuruí e, sobretudo, aos interesses de exploração minerária na fronteira da agora APA Guajuma.MineraçãoA fronteira da APA Guajuma tem grande potencial de mineração, especialmente de exploração de bauxita e calcário.Já existem estudos sendo realizados pela multinacional Alcoa, na área do município de Juruti (PA) e pela empresa Sanava, em Nhamundá. Os dois municípios são vizinhos.As informações são do secretário de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Amazonas, Daniel Nava, que, no entanto, afirma que a mudança na categoria da unidade de conservação nada tem a ver com estes estudos.Ele enfatizou que as áreas de estudos estão na fronteira, mas não dentro das unidades.Segundo Nava, há políticas públicas sendo elaboradas para promover “sinergia"entre os programas de unidade de conservação e programas econômicos.Ele afirmou que, futuramente, os estudos da Alcoa nas reservas de bauxita deverão ser estendidos para Nhamundá.DemandaA titular da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), Nádia Ferreira, disse que mudança na categoria de unidade de conservação é resultado de uma demanda das 607 famílias que vivem na área.O surgimento das cinco comunidades, além da construção de um aeroporto no meio da APA Guajuma, ocorreram após a criação do Parque Nhamundá, quando ainda não havia política de gestão para estas localidades, segundo Nádia.“No decorrer dos anos, mudou a pressão e isto pode acontecer com qualquer unidade de conservação. Daí a importância do poder estadual de acompanhar e monitorar as áreas para que isto não ocorra novamente”, disse ela.Conforme Nádia, desde 2007 a SDS vem realizando consultas no município e obteve aprovação das famílias, que ocuparam irregularmente a UC, para a transformação da categoria.“Há um novo contexto. Têm comunidades, atividades da pecuária. E o que isso gera? Gera problema social porque aquelas famílias estavam tendo problemas para pegar financiamento no banco. É uma demanda legítima. A mudança não tem nada a ver com o Linhão de Tucuruí”, disse ela.A secretária afirmou ainda que, futuramente, a SDS pretende aprofundar os estudos para “trabalhar o melhor uso dos recursos naturais e o seu melhor uso da APA Guajuma”.
ELAÍZE FARIAS
O rebaixamento de uma unidade de conservação no Amazonas promovida pelo governo do Estado vem sendo questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas e por especialistas e ambientalistas.
No mês passado, o Parque Nacional Nhamundá, a primeira unidade de conservação criada no Amazonas, em 1989, perdeu o antigo status e foi transformado em Área de Proteção Ambiental Guajuma. Esta categoria é a menos restritiva de todas as unidades de conservação mantidas pelo governo estadual.
A agora APA Guajuma fica localizada no município de Nhamundá (a 381,46 quilômetros de Manaus), na divisa com o Pará, área de forte pressão mineradora e agropecuária.
A APA também é itinerário do Linhão de Tucuruí, obra de transmissão de energia que vai cortar sete municípios do Amazonas, até Manaus.
A decisão do governo do Amazonas foi publicada no dia 9 de maio no Diário Oficial do Estado.
Várzea
O coordenador da ong Fundação Vitória Amazônica (FVA), Carlos César Duringan, destaca que o antes Parque Estadual Nhamundá é onde está localizada uma das últimas áreas de floresta de várzea da calha do médio rio Amazonas ainda preservada da Amazônia.
Nesta semana, o MPF do Amazonas instaurou inquérito e fez recomendação para que o governo do Estado não cumpra a lei 131/2011 sem antes submeter a proposta de recategorização da unidade de conservação à consulta pública da qual participem membros da comunidade científica e organizações não-governamentais ambientais.
O MPF/AM questiona a alegação de que o local foi ocupado por fazendas de gado e que, por conta dessa situação, foi preciso mudar a categoria.
No entendimento do MPF, além das ameaças à biodiversidade do local, as comunidades rurais que vivem na agora APA Guajuma correm o risco de “ceder, no devido tempo, seus lugares de vida à expansão da pecuária dos outros”.
Mosaico
Carlos César Durigan alertou para o fato de que uma decisão como esta pode gerar “um precedente ruim” para as outras áreas protegidas no Amazonas.
“Quer dizer que se acontecer um empecilho, simplesmente a lei anterior, que cria a unidade de conservação, pode ser revogada? Ficará à mercê das decisões políticas sem consultas públicas? Já está se comentando que outras áreas protegidas podem ser reduzidas. Ninguém é contra esses processos, mas é preciso respeitar estas áreas”, observou.
Segundo Durigan já havia uma proposta de transformar a área, devido ao avanço da degradação, em um mosaico de áreas protegidas de diferentes categorias.
Em um encontro realizado em abril passado no município de Parintins, vizinho de Nhamundá, com extrativistas, surgiu a ideia de iniciar uma mobilização em defesa do mosaico. A proposta tornou-se inviável com a decisão do governo estadual em mudar a categoria da UC.
A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Rita Mesquita, contou que há vários anos o Parque Estadual Nhamundá vinha sofrendo, um processo de ocupação irregular atrelado à expansão da pecuária.
Quando era secretária adjunta de meio ambiente, em 2006, Rita conta que propôs a criação do mosaico para impedir o avanço da ocupação. A ideia foi submetida ao Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc) do Amazonas.
Ela conta que duas expedições foram realizadas ao local e a criação do mosaico era a principal demanda das comunidades tradicionais, que reivindicaram o uso dos direitos da terra na forma de unidade de uso sustentável.
Segundo Rita, após análise, apenas uma parte do parque poderia ser transformado em APA e não em sua totalidade.
Para a pesquisadora, os dois principais motivos de mudança da categoria estão vinculados à construção do Linhão do Tucuruí e, sobretudo, aos interesses de exploração minerária na fronteira da agora APA Guajuma.
Mineração
A fronteira da APA Guajuma tem grande potencial de mineração, especialmente de exploração de bauxita e calcário.
Já existem estudos sendo realizados pela multinacional Alcoa, na área do município de Juruti (PA) e pela empresa Sanava, em Nhamundá. Os dois municípios são vizinhos.
As informações são do secretário de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Amazonas, Daniel Nava, que, no entanto, afirma que a mudança na categoria da unidade de conservação nada tem a ver com estes estudos.
Ele enfatizou que as áreas de estudos estão na fronteira, mas não dentro das unidades.
Segundo Nava, há políticas públicas sendo elaboradas para promover “sinergia"entre os programas de unidade de conservação e programas econômicos.
Ele afirmou que, futuramente, os estudos da Alcoa nas reservas de bauxita deverão ser estendidos para Nhamundá.
Demanda
A titular da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), Nádia Ferreira, disse que mudança na categoria de unidade de conservação é resultado de uma demanda das 607 famílias que vivem na área.
O surgimento das cinco comunidades, além da construção de um aeroporto no meio da APA Guajuma, ocorreram após a criação do Parque Nhamundá, quando ainda não havia política de gestão para estas localidades, segundo Nádia.
“No decorrer dos anos, mudou a pressão e isto pode acontecer com qualquer unidade de conservação. Daí a importância do poder estadual de acompanhar e monitorar as áreas para que isto não ocorra novamente”, disse ela.
Conforme Nádia, desde 2007 a SDS vem realizando consultas no município e obteve aprovação das famílias, que ocuparam irregularmente a UC, para a transformação da categoria.
“Há um novo contexto. Têm comunidades, atividades da pecuária. E o que isso gera? Gera problema social porque aquelas famílias estavam tendo problemas para pegar financiamento no banco. É uma demanda legítima. A mudança não tem nada a ver com o Linhão de Tucuruí”, disse ela.
A secretária afirmou ainda que, futuramente, a SDS pretende aprofundar os estudos para “trabalhar o melhor uso dos recursos naturais e o seu melhor uso da APA Guajuma”.
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