O bioma Amazônia possui quase 8 milhões de km2, distribuídos em nove países da América do Sul: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Se formasse um país, a Amazônia latino-americana seria do tamanho equivalente aos Estados Unidos e toda a Europa Ocidental. No Brasil, se estende por 4,1 milhões de km2. Mas a Amazônia Legal, conceito criado na década de 1950, é ainda maior, abrangendo 5,5 milhões de km2, ou dois terços do País, com 18milhões de habitantes.
Ela se espalha por nove Estados da federação: Amazonas, Pará, Roraima, Acre, Amapá, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Embora parte dessa área adicional (de 1,4 milhão de km2) não seja composta pela típica floresta amazônica (a hiléia, conforme a definição do cientista alemão Alexandre Humboldt), mas por mata mais rala e por cerrado, ela foi incluída na Amazônia Legal para poder também usufruir incentivos fiscais concedidos pelo governo federal, a partir da década de 1950, para acelerar o desenvolvimento da região. O Pará, com pouco mais de 7 milhões de habitantes, é o mais populoso (e é o 9º do País). Roraima, com pouco mais de 350 mil habitantes, é o menor em população.
Atualmente, 32,9% do bioma Amazônia no Brasil conta com proteção especial (descontadas as sobreposições), sendo 20,84% terras indígenas e 12,09% unidades de conservação federal e estadual.
Na Amazônia, vivem e se reproduzem mais de um terço das espécies existentes no Planeta. A floresta abriga 2.500 espécies de árvores (um terço da madeira tropical da Terra) e 30 mil das 100 mil espécies de plantas que existem em toda a América Latina. Além da riqueza natural, a Amazônia contém uma fantástica diversidade cultural. Nela vivem cerca de 170povos indígenas, com uma população aproximada de 180 mil indivíduos, 357 comunidades remanescentes de antigos quilombos e centenas de comunidades localizadas, como as de seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e babaçueiros.
A Amazônia possui, ainda, grande importância para a estabilidade ambiental do Planeta. Estimativas conservadoras indicam que a floresta amazônica é responsável pela absorção de pelo menos 10% dos cerca de 3 bilhões de toneladas de carbono retirados da atmosfera pelos ecossistemas terrestres. No outro extremo, estudo publicado pela revista Science conclui que a Amazônia responde por quase 40% de tudo que a biota terrestre absorve. Sua massa vegetal, composta por árvores de até 50 metros de altura, com copas frondosas, libera cerca de sete trilhões de toneladas de água anualmente para a atmosfera através da evaporação e transpiração das plantas. Já seus rios despejam cerca de 12% de toda a água superficial doce que chegava aos oceanos através de toda a rede hidrográfica existente no globo terrestre. O Amazonas é o mais extenso e caudaloso de todos os rios, chegando a descarregar no Atlântico 230 milhões de litros de água por segundo.
Tudo isso em um ecossistema frágil: a floresta extrai poucos nutrientes do solo, que, em grande parte de sua extensão, é pobre. As árvores vivem do próprio material orgânico que lançam sobre o chão. Geram, dessa maneira, uma formidável cadeia de vida, que se nutre desse cardápio de massa natural e da água abundante gerada pelas próprias árvores e trazida do oceano e das Cordilheiras dos Andes, em um ambiente de umidade sem igual. A menor imprudência pode causar danos ao seu equilíbrio delicado.
Desmatamento acelerado
Apesar de ter chegado ao século XXI com a maior parte de seu território ainda preservado, a destruição acelerada da floresta é uma realidade preocupante. A taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal entre agosto de 2001 e agosto de 2002, no encerramento do governo (de oito anos) de presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi de 25.500 km2 (ou 2,5 milhões de hectares), 40% a mais do que no período anterior, a segunda maior da história, mais extensa do que o estado de Sergipe. No ano seguinte, o primeiro da administração Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, o desmatamento diminuiu, mais ainda assim foi o segundo maior, atingindo 23.750 km2. A média de desmatamento se aproxima da registrada nos anos 1980, considerada “a década do fogo”.
O desmatamento acumulado já consumiu 17% de toda a Amazônia, equivalendo a duas vezes o tamanho do Estado de São Paulo, que concentra um terço da riqueza nacional e abriga a maior população do Brasil, com quase 40 milhões de habitantes. Nunca a humanidade destruiu tanta floresta como têm feito os brasileiros (e alguns estrangeiros) na Amazônia desde o final da década de 1950, quando começaram a ser construídas as primeiras estradas (a Brasília-Belém e a Brasília-Acre) visando a integração física da região ao País.
Até então, a Amazônia esteve completamente isolada por terra do restante do Brasil, já que nenhum dos seus grandes ciclos históricos anteriores (drogas do sertão, madeira, cacau e borracha) conseguiu criar uma atividade comercial consolidada e duradoura. O mais importante, o da borracha, que durou quase 50 anos (entre o final do século XIX e a primeira década do século seguinte), chegou a manter a região como a terceira mais importante do País nesse período, mas o plantio de sementes de seringueira no Oriente acabou com a hegemonia mundial da produção brasileira e logo a tornou totalmente irrelevante para o mercado.
Por considerar que, nessa condição de baixa densidade demográfica, a região estava sujeita à cobiça internacional, os governos militares (1964-85) promoveram obras de grande impacto (estradas, hidrelétricas, portos, cidades) para atrair colonos e empresas, que, integrando a região, evitaram que ela fosse “entregue” aos estrangeiros.
Prevalecia a “doutrina de segurança nacional” como a matriz do pensamento oficial, que se manteve na região, a despeito da redemocratização, iniciada em 1985, através de iniciativas como o Programa Calha Norte e o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Por isso, a ordem era desenvolver o mais rapidamente possível, ainda que o custo social e ambiental se tornasse elevado, como acabou sendo. Além do desmatamento descontrolado, essa ampla ofensiva transformou a região, que deveria ser um Éden fundiário, na qual todos os migrantes (originários de regiões latifundiárias, que os excluem e expulsam) teriam, finalmente, um lote de terras para explorar, consolidando-se como proprietários rurais, no mais sangrento cenário de conflitos pela posse da terra no País.
Conflitos
O que no início foi um processo sumário de expulsão de ocupantes tradicionais e de formações de legiões de posseiros, sem a titularidade da terra, transferida para poucos proprietários, só começou a mudar com a posição assumida inicialmente pela Igreja e, em seguida, por movimentos sócias organizados. A tensão, entretanto, continua em estado latente ou de conflito aberto, manifestando-se em seguidos choques entre os principais atores da fronteira, como índios, garimpeiros madeireiros, lavradores e grandes corporações econômicas, nacionais e estrangeiras.
Parte da explicação para o recrudescimento do desmatamento na primeira década de século XXI, coincidindo com o incremento das exportações brasileiras, está na ampliação da área plantada na região, por conta da expansão do gado, da soja e do arroz. Essas frentes econômicas avançam em direção ao coração da Amazônia, desencadeando novos empreendimentos mineradores, siderúrgicos e metalúrgicos, de grande porte (conhecidos como “grandes projetos”
porque exigem muito capital e tecnologia avançada). Também pesa a desvalorização do real no início de 2001, a maior competitividade da madeira abatida impunemente na região, a inexistência de crédito para manejo sustentável dos recursos florestais e a crônica incapacidade de implementação de órgãos governamentais – como o Ibama – debilitados por anos de redução orçamentária. Esse enfraquecimento favorece a indefinição fundiária, causa de inúmeros e sangrentos conflitos pela posse da terra, cujo domínio é mal definido, além de sua posse ser injustamente distribuída (1% dos proprietários controlam 57% da área dos imóveis rurais).
Mesmo chocantes, os números sobre destruição de florestas representam apenas uma estimativa, já que o satélite TM-Landsat, utilizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para essas medidas, não consegue captar derrubadas em áreas menores que 6,25 hectares. Assim, deixa de fora o impacto provocado por milhões de posseiros e colonos. Além disso, os dados não incluem o corte seletivo de madeira, resultante da atuação de milhares de madeireiros em atividade na Amazônia, e tampouco o desmatamento provocado por grandes incêndios florestais, como o de Roraima, que aconteceu em 1998. Também não captam os efeitos indiretos do rompimento ecológico sobre os diversos ciclos de vida que se mantinham quando havia floresta.
O desmatamento extrapolou uma área conhecida como Arco do Desmatamento – que vai de leste para o sul do Pará, na direção oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre – impulsionado por um consórcio madeireira-pastagem-produção de grãos para exportação. Fortes desmatamentos estão ocorrendo também na margem esquerda do Rio Amazonas e no sudeste da “Terra do Meio”, um vasto bolsão de terras localizadas entre os rios Xingu e Tapajós, no centro do Pará. O ataque à região ocorre também pelo oeste, vindo de Mato Grosso e se irradiando a partir das margens da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), que ainda é, em metade da sua extensão, de revestimento primário, mas se encontra em vias de ser asfaltada.
Além disso, relatório elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos – ligada à Presidência da República – reconhece que 80% da produção madeireira da Amazônia provém da exploração ilegal. Existem 22 madeireiras estrangeiras conhecidas na região, sobre cuja atividade há pouca fiscalização. O desperdício da madeira fica entre 60% e 70% do que é derrubado. No entanto, o setor florestal contribuiu com 15% a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia.
Entre os problemas que propiciam esta situação, podem ser apontados: a insuficiência de pessoal dedicado à fiscalização, as dificuldades em monitorar extensas áreas de difícil acesso, a fraca administração das áreas protegidas e a falta de envolvimento das populações locais.
Grandes Empreendimentos
Outra forma de destruição têm sido os alagamentos para a implantação de usinas hidrelétricas. É o caso da usina de Balbina, no nordeste de Manaus. A baixíssima relação entre as áreas alagadas e a potência instalada nessa hidrelétrica tornou-se um exemplo de inviabilidade econômica e ecológica em todo o mundo.
A atividade de mineração organizada, através de empresas, e da garimpagem também trouxe graves conseqüências ambientais, como a erosão do solo e a contaminação dos rios com mercúrio. Como as principais mineradoras instaladas na Amazônia são voltadas para a exportação, usufruem isenção de impostos e contam com energia subsidiada, apenas uma fração da renda que geram fica na própria região. É por isso que as grandezas quantitativas da mineração, que transformam o Pará no segundo maior Estado minerador do País (prestes a ultrapassar Minas Gerais), não se refletem nos indicadores sociais.
Mas um novo ciclo de “grandes projetos” se inicia, tendo como eixo a maior província mineral do mundo, em Carajás, no Pará, para a produção de concentrado de cobre, níquel, gusa e aço, consolidando a atividade meramente extrativa ou que apenas faz o beneficiamento primário da matéria-prima. O ganho maior fica para quem compra esses bens, de baixo valor relativo. Grande parte da produção vai para o exterior. Em escalas crescentes, para o Japão e a China. O Japão, por exemplo, que até recentemente era o maior comprador de Carajás, compra na Amazônia 15% do alumínio e 15% do minério de ferro que precisa para seu enorme parque industrial. A China, que desbancou seu vizinho como cliente preferencial da Companhia Vale do Rio Doce, já obtém quase 20% da produção da província, que em 2007 deveria alcançar 100 milhões de toneladas anuais.
Exploração e Desigualdade
O Atlas do Desenvolvimento Humano, lançado no início de outubro de 2003, mostra que a Amazônia cresce menos do que as outras regiões brasileiras e tem uma das maiores concentrações de renda do País. Conforme os dados do Atlas, elaborado em conjunto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e a Fundação João Pinheiro, todos os Estados da Amazônia tiveram desenvolvimento – entre 1991 e 2000 – abaixo da média nacional. Pará, Amazonas, Acre e Tocantins estão na faixa mais pobre do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro.
Nos últimos dez anos, enquanto os grandes projetos de infra-estrutura continuavam o padrão predatório, centenas de iniciativas comunitárias criavam um novo modelo de desenvolvimento amazônico, baseada no manejo sustentável de recursos naturais e na gestão participativa de políticas públicas. Em alguns, esse modelo foi assumido por diversos setores públicos, criando novas maneiras de pensar e agir em harmonia com a floresta e suas comunidades.
Todo esse processo, no entanto, não está sendo levado em consideração por muitos dos atuais dirigentes federais, estaduais e municipais, o que tem provocado o crescimento da violência no campo, a partir das ações de quadrilhas organizadas de grileiros de terras públicas. A ausência do Estado e a impunidade têm provocado o desmatamento ilegal, a expulsão de comunidades, a morte de lideranças indígenas e de pequenos agricultores, a invasão de áreas já protegidas por lei e o incentivo ao latifúndio.
Aliada à falta de recursos para a pesquisa na região, a biopirataria também representa uma ameaça aos recursos da Amazônia. Aproveitando-se de um vazio na legislação brasileira, que não proíbe o registro de espécies animais ou vegetais, grupos internacionais têm se apoderado de alguns dos nomes mais populares da nossa biodiversidade, através de patentes em várias partes do mundo, Desde a quebra-pedra, patenteada na década de 1990, passando pela andiroba, açaí e copaíbas, são mais de 50 produtos roubados ou visados para apropriação das populações tradicionais da Amazônia. A mais recente espécie da lista é o cupuaçu, que a empresa japonesa Asahi Foods – cuja pronúncia é açaí – tentou patentear na Europa, Estados Unidos e Japão, só não consumando a pilhagem por causa da reação de instituições nacionais.
Alternativas
A riqueza da Amazônia, região de solos pobres e de alta pluviosidade, está na floresta em pé e na implementação de um novo modelo de desenvolvimento, baseado na sustentabilidade ambiental e uso responsável dos recursos naturais. As pesquisas e a prática demonstram que a exploração sustentável da floresta na Amazônia é uma atividade mais rentável e que gera mais empregos do que outras, às quais tem sido dada prioridade pelo governo como a agropecuária.
Entre as medidas para garantir essa exploração sustentável estão o controle da origem da madeira explorada na Amazônia (como, por exemplo, a certificação pelo FSC, uma entidade internacional com representação no Brasil) e a vinculação de financiamentos apenas a atividades que não representam desmatamento (o Banco da Amazônia, responsável por 82% do crédito de fomento e 42% do crédito total na região, se comprometeu a seguir essa linha.
Outra opção seria uma moratória ou revisão dos grandes projetos propostos pelo governo até a realização e apresentação de estudos de impacto ambiental e social qualificados, com a participação do Ministério Público Federal e da sociedade civil organizada. Entre os projetos estão os gasodutos Urucu-Coari, Urucu-Porto Velho e Urucu-Manaus, as hidrovias nos rios Madeira e Araguaia-Tocantins, as barragens hidrelétricas do Complexo Madeira, de Belo Monte e dos rios Araguaia e Tocantins, além das rodovias como a Cuiabá-Santarém, Manaus-Porto Velho, Rio Branco-Cruzeiro Sul.
As obras de infra-estrutura na Amazônia devem ser acompanhadas pela criação de unidades de conservação para evitar maior pressão sobre os recursos naturais. Um processo efetivo de criação e implementação de unidades de conservação deve também criar corredores de biodiversidade, capazes de funcionar como barreira ao avanço do desmatamento.
Além disso, é preciso garantir a proteção dos conhecimentos das populações tradicionais e indígenas, em suas áreas de existência, e políticas adequadas de etno-desenvolvimento, para combater a biopirataria. Outra medida essencial é efetivar a homologação de todas as terras indígenas, como aconteceu com a Raposa Serra do Sol (em Roraima), homologada em abril de 2005, onde está uma das maiores concentrações de população índia do País.
Também é recomendável o apoio financeiro e técnico às redes de produção sustentável na área de pesquisa de produtos, mercados, comercialização e certificação. Segundo a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o Mato Grosso tem entre 12 e 15 milhões de hectares abandonados. Aproveitando essas áreas, seria possível dobrar a produção de grãos naquele Estado sem cortar mais uma árvore, ou utilizá-las para a nascente atividade de geração de biocombustíveis, desde que sua implantação seja antecipada por pesquisas científicas visando definir as aptidões do solo e o equilíbrio ecológico.
O Ministério do Meio Ambiente, tentando reverter a tendência do desmatamento, concebeu, em 2002, e está começando a executar agora o mais ambicioso empreendimento ecológico em andamento no País, o Projeto de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Com vigência até 2012, deverá absorver 400 milhões de dólares na criação, consolidação e monitoramento de áreas protegidas para o bioma Amazônia. Abrangerá área de 500 mil km2 e deverá triplicar a área protegida na Amazônia brasileira, elevando dos atuais 4% para 12%o total do bioma sob proteção. Quando concluído, o programa terá criado 50 milhões de hectares de UCs de proteção integral e de uso sustentável, com sua infra-estrutura consolidada e apta a cumprir a missão de conservação da biodiversidade amazônica.
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