Os exploradores russos Daniel Gavrilov e Elena Soloveva estão orgulhosos do recorde mundial alcançado por eles e outros navegadores a bordo do barco Peter 1º em 2010. Pela primeira vez, uma embarcação conseguiu numa só temporada cruzar, sem a ajuda de quebra-gelos, tanto a Passagem do Nordeste quanto a do Noroeste.
“Tivemos sorte”, diz Soloveva. “O estado da cobertura de gelo tornou isso possível”, completa. Hoje está claro para ela que o recorde só foi possível devido ao rápido aquecimento do clima no Ártico. “O gelo está derretendo na parte superior. O clima está mesmo mudando”, diz Soloveva.
O norueguês Borge Ousland, que circunavegou o Polo Norte na mesma época que Gavrilov e Soloveva, faz a mesma observação. Há mais de 20 anos ele participa de expedições pelo Ártico. “Na minha primeira expedição no Polo Norte, em 1990, o gelo tinha de 3 a 4 metros de espessura e havia se formado havia muitos anos”, lembra o explorador, um especialista na região.
“Isso mudou consideravelmente nos últimos anos”, diz. Em 2007, Ousland examinou o gelo local numa expedição patrocinada pelo Instituto Polar Norueguês. “A espessura era de apenas 1,5 a 2 metros”, completa.
Com a sua circunavegação do Polo Norte, Ousland quis chamar a atenção para as mudanças climáticas na região. Para ele, números e resultados são muito abstratos para o cidadão comum, por isso sua ideia era expor visualmente o que acontece com as geleiras e como isso influi no clima global.
O gelo flutuante funciona como um escudo. A superfície branca reflete a energia solar de volta para o espaço. Se o gelo derrete, a superfície escura da água absorve essa energia, o que eleva as temperaturas da água e do ar não apenas no Ártico, mas em todo o planeta.”
Ponto crítico no extremo norte – Segundo os pesquisadores, os bancos de gelo no mar, ou banquisas, são um dos diversos fatores que podem desestabilizar o clima da Terra. O Ártico não deve ser visto como uma região isolada, afirma o biólogo marinho espanhol Carlos Duarte, especialista em questões relacionadas à região. Segundo ele, o Ártico deve ser acima de tudo visto como um ponto central, onde se encontram três continentes e dois oceanos.
“Por isso, as mudanças que ocorrerem ali trarão efeitos para todo o sistema da Terra”, explica Duarte, um dos coordenadores do projeto Arctic Tipping Points, financiado pela União Europeia.
“O Ártico controla em grandes proporções as mais importantes correntes marítimas da Terra; o gelo derretido modifica a temperatura e o nível de salinidade do mar; as geleiras da Groenlândia influenciam o nível do mar; e no Ártico são também armazenadas quantidades enormes de gases estufa, como o metano, de relevância global”, completa o especialista.
Bomba-relógio sob o gelo – Duarte e sua equipe de pesquisadores calculam que em menos de dez anos o Ártico não terá mais gelo no verão, sendo que esse tipo de evolução poderá desencadear outros processos, já hoje apontados como sinais de alarme.
O gelo continental na Groenlândia derreteu de maneira recorde, apontam os resultados de pesquisas do ano de 2010. Caso não haja uma redução radical da emissão de CO2 até o ano de 2020, poderão derreter até 60% do permafrost (solo formado por terra, rochas e gelo que permanece congelado em toda a faixa do Ártico). Isso provocaria a liberação de grandes quantidades de CO2 e metano, aquecendo ainda mais a Terra.
Duarte mostra-se especialmente preocupado com o risco de que um aumento da temperatura da água possa, de súbito, liberar grandes quantidades de metano congeladas no solo marinho sob o Ártico. “Se isso acontecesse, poderia ser liberada, em poucos anos, uma quantidade de gases poluentes cinco vezes maior do que a liberada nos últimos 150 anos”, explica.
Incêndios nas turfas – Outro fator que ainda não pôde ser considerado pelo Conselho Global do Clima é o ressecamento das superfícies de turfas no extremo norte do globo. Duarte vê os incêndios nas turfas da Rússia, em meados do último ano, como um sinal de alerta de que também lá podem estar sendo atingidos pontos críticos.
Incêndios que se alastraram por grandes superfícies em regiões desertas da Rússia e do Canadá só puderam ser debelados com dificuldade, tendo liberado também mais gases estufa. Há alguns anos, Vladimir Putin afirmou que a Rússia poderia ainda suportar um pouco mais de aquecimento, lembra o especialista espanhol. Hoje, até mesmo as lideranças do país reconhecem que as mudanças climáticas trazem mais riscos do que se supunha.
Ação política mais que necessária – Para Duarte, está passando da hora de agir politicamente, a fim de reduzir as emissões de CO2. Ele ressalta que as discussões sobre os primeiros passos rumo a uma economia global, que gere menos poluentes, começaram tarde demais. “Alguém tem que simplesmente fazer isso na esperança de que outros o sigam”, completa.
O pesquisador alemão Dirk Notz, do Instituto Max Planck de Meteorologia, apela por uma ação política mais imediata: “Há 20 anos, os cientistas vêm dando um sinal claro de que são necessárias medidas firmes”, aponta o especialista. “Voltamos quase ao mesmo ponto de 20 anos atrás. Quando se tem, como cidadão, interesse em manter nosso clima pelo menos como ele está hoje, é preciso que o setor político faça algo para, por exemplo, salvar o gelo no Ártico”, completa Notz.
O pesquisador, que passa boa parte de seu tempo no Ártico, vê as mudanças climáticas na região como um sinal de alerta para todo o planeta. No Ártico, diz ele, o abstrato conceito de “mudança climática” tornou-se visível.
“Ao observar como nessa região da Terra tão pouco povoada podem ser desencadeados conflitos geopolíticos devido às riquezas naturais ali estimadas, pode-se ter uma ideia do que poderia acontecer quando as mudanças climáticas chegarem a regiões onde vive realmente muita gente. E também do quanto essas mudanças poderão influenciar a vida das pessoas que ali vivem. Há dez anos, ninguém teria previsto uma evolução como essa.
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